
02. Variações em Ré menor
03. Danças portuguesas nº 2
04. Variações em Mi menor
05. Fantasia nº 2
06. Valsa
07. Variações sob uma dança popular
08. Mudar de vida - Tema
09. Mudar de vida - Música de fundo
10. António Marinheiro (Tema da peça)
11. Canção
Corria o ano identificado lá em cima e este rapaz começava a afogar num berreiro torrencial a indolente paz tropical dos meus pais na baía explorada por Lourenço Marques em 1544. Não sei se no gira-discos lá de casa chegou alguma vez a rodar o Movimento Perpétuo, mas é improvável - afinal, esta música “comove sem fazer chorar”, disse-o um dia o próprio Carlos Paredes. E vir à luz ao mesmo tempo que um disco destes devia transformar-nos a vida. Levá-la por direcções insuspeitas que aos 34 anos - os meus, não os dele - nos deixam a magicar. Uma vida como uma valsa.
Um homem curvado sobre a guitarra, tecendo com ela os fios de uma paixão solitária, tão exigente quanto humilde. O corpo longilíneo parecia encaixar-se numa espécie de redoma em que quase desaparecia, enquanto tocava. O rosto vibrante, mas tenso, cobria-se de gotículas de suor, como se estivesse em plena batalha consigo próprio e com o instrumento que fez seu. Era nesse movimento de recolhimento que Carlos Paredes criava um espaço musical de partilha com o público. “Não sou um homem de espectáculo. Sou alguém que fala com as pessoas através da guitarra”, afirmava o músico ao “Expresso” em 1983.
Descendente de célebres guitarristas de Coimbra – era filho de Artur Paredes e neto de Gonçalo Paredes – nasceu nessa cidade, em 1925, vindo, mais tarde, a radicar-se com a família em Lisboa. Começa, então, a ter aulas de violino na Academia de Amadores de Música, mas depressa opta pela guitarra portuguesa – instrumento que, curiosamente, teve a sua origem na Inglaterra – bebendo os ensinamentos do pai e do avô. Sobre essa experiência, recordou: “foi com o meu pai que eu aprendi a tirar da guitarra sons mais violentos, como reacção ao pieguismo langoroso a que geralmente a guitarra portuguesa estava ligada”. E foi essa a linha que seguiu, construíndo um estilo que se soltou da influência coimbrã e do fado, apesar de essas referências se manterem.
A obra original que deixou é escassa. Estreou-se em 1957, com a edição de um primeiro trabalho, o EP “Carlos Paredes”; em 1968 surge o primeiro LP, denominado “Guitarra Portuguesa”. Em 1968 foi convidado por Paulo Rocha para escrever as músicas de “Verdes Anos”, filme com que se inaugurava o Cinema Novo, e que fazia irromper na tela uma nova paisagem – a das Avenidas Novas, em Lisboa – e novas personagens – uma juventude em passo apressado rumo à idade adulta, transportando consigo um turbilhão de sentimentos: o desencanto, a incerteza, a perda... Sentimentos fixados por Paredes nesse concentrado de melancolia que é “Verdes Anos”, o tema que compôs, homónimo do filme.
Depois de “Movimento Perpétuo”, experimenta algumas colaborações com outros músicos: com António Vitorino d’Almeida, em 1986, de que resultou o LP “Invenções Livres”, e com o contrabaixista Charlie Haden, no álbum “Dialogues”, de 1990. “Espelho de Sons”, de 1988, “Na Corrente”, de 1996, e “Canção para Titi – Os Inéditos”, de 2000, são mais alguns dos exemplos da sua discografia.
Em 1993, foi-lhe diagnosticada uma doença neurológica degenerativa que o levou ao internamento numa casa de saúde, onde veio a morrer em 2004. Tinha 79 anos. De si próprio disse um dia: “Eu não fico na História”. É ironicamente uma afirmação certeira. A sua obra, se nascia da contingência, do tempo e do espaço, como ele próprio sublinhava, erguia-se para além dela, transformando-se em algo partilhável por todos. Lembra o verso do poeta austríaco Karl Kraus: “...escutar os rumores do dia como se fossem os acordes da eternidade.”