(Hesito entre o mundo grave e a gravidade do mundo)

13/11/07

Bailando junto ao mar


"Odiei o que era fácil / Procurei-me na luz, no mar, no vento." Assim se (d)escrevia Sophia, em 1958, no livro Mar Novo. Pelo menos, tanto quanto alguém se descreve num poema. E ela própria o duvidava: "a poesia é anticonfessional", disse em entrevista ao Jornal de Letras, quando lhe perguntavam sobre a espécie de predestinação inscrita no seu nome – Sophia, como saber ou sageza, alguém que incorpora em si, misteriosamente, um "conhecimento íntimo do essencial", como escreveu o ensaísta Eduardo Lourenço.

Mas, de alguma forma, toda a poesia de Sophia testemunha aquela busca de si nos elementos, busca que permitisse superar aquilo que a poeta diagnosticava como uma perda de identidade do homem moderno: a cisão com a natureza. "Toda a minha poesia oscila entre a confiança nessa unidade e uma espécie de pânico do seu fracasso", afirmou noutro passo da entrevista ao Jornal de Letras.

Esta ligação à natureza vinha-lhe da infância, que Sophia considerava uma "reserva de criação inesgotável". Uma infância vivida a meias entre a Quinta do Campo Alegre, no Porto, e a casa de férias na praia da Granja. Sempre com o mar por perto: fosse na imaginação despertada pelos temporais que faziam bater as portadas da quinta – e aí teve Sophia o primeiro encontro com a poesia, quando, aos três anos, lhe ensinaram a Nau Catrineta – fosse no areal que se estendia desde a porta aberta da "Casa Branca", assim evocada num poema do seu livro de estreia. "Lugares sagrados", como lhes chamava Sophia, que habitam a sua obra em comunhão com outros que a vida foi acrescentando: a Grécia, por exemplo, que a poeta via como o berço de uma humanidade que, aceitando a sua imanência, se constrói na procura da verdade e do rigor.

O seu primeiro livro, "Poesia", mostra já as marcas da sua obra, que o tempo foi depurando: o ritmo e a limpeza melódica do verso, a transparência das palavras. Para ela, a escrita constituía-se como um poder de enunciação e de ordenação do mundo, uma vitória sobre o caos que antecede toda a criação. Dizer é arrancar o lume à massa informe, esculpir o tempo. "Digo o nome da cidade – Digo para ver", escreveu num poema do livro "Navegações". E daí, esse lado solar, cristalino, da sua poesia: o poema é uma emanação dessa luta interior pelo equilíbrio e a clarividência, o testemunho de quem emerge da sua própria desordem para espreitar a luz, consciente de que caminha sempre "rente à deriva".

Para quem sonhava com a inteireza do ser, não custa imaginá-la a procurar junto ao mar essa unidade inteira, a promessa de além-vida que fixou num poema do "Livro Sexto": "Quando eu morrer voltarei para buscar / Os instantes que não vivi junto do mar."